Funcionários celetistas podem virar servidores públicos
Agência O Globo Um hiato legal abriu espaço para um trem da alegria que pode transformar cerca de 15 mil funcionários de conselhos de fiscalização profissional celetistas em servidores públicos. Profissionais como o técnico José Heraldo de Abreu Dutra, que trabalha no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ), têm conseguido na Justiça direitos reservados a funcionários públicos, embora tenham sido contratados sob regras da CLT e sem concurso.
Dutra foi uma das dezenas de pessoas demitidas pelo Crea-RJ em 1997, em um processo de redução de custos do conselho. Desde então, parte desses funcionários tem lutado na Justiça, principalmente por meio do Sindicato dos Servidores de Autarquias de Fiscalização Profissional do Rio (Sinsafispro-RJ), para serem reincorporados aos quadros do Crea-RJ, ao entender que não poderiam ter sido demitidos sem justa causa por serem servidores públicos, conforme previsão constitucional.
Uma decisão judicial levou à reintegração de Dutra aos quadros do Crea em 2010, onde trabalha atualmente como analista de processos. Pelo menos outras doze pessoas conseguiram a mesma decisão favorável nos tribunais cariocas. Dutra, porém, recebe como um funcionário contratado pelas normas da CLT desde que foi reintegrado, mas aguarda o desenrolar do processo judicial para adquirir todos os benefícios de um servidor público.
“Fiquei muito satisfeito em voltar, porque durante os 13 anos em que estive fora do Crea, nunca consegui outro emprego com carteira assinada, fazia bicos”, disse Dutra.
No cenário atual, Dutra está em um limbo trabalhista, com elementos de um funcionário CLT, como FGTS, mas benefícios de servidor, como estabilidade e perspectiva de aposentadoria integral. Há decisões jurídicas similares às de Dutra pipocando por conselhos de todos os setores, pelo menos no Paraná, em Minas Gerais e no Distrito Federal, além do Rio. A exceção é a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Há casos de ex-colegas de Dutra que também venceram ações na Justiça em primeira instância, mas, como já se aposentaram, agora recebem o benefício integral pago pelos conselhos. Segundo uma ex-funcionária do Crea-RJ que conseguiu se tornar servidora na Justiça e não quis ver seu nome publicado, sua aposentadoria regular via INSS foi cancelada e ela passou a receber a aposentadoria integral paga pelo próprio conselho, como servidora pública, desde a decisão.
As sentenças em primeira instância e decisões já tomadas no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) estão deixando os conselhos profissionais em polvorosa quanto à possibilidade de ver diversos de seus profissionais convertidos em servidores públicos de uma hora para outra e, pior, terem de arcar com esses custos sozinhos.
A origem desse imbróglio jurídico está em 2002, com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.717 pelo STF. A Corte definiu como inconstitucional lei que conferia natureza de direito privado aos conselhos, ou seja, ratificou-os como organismos públicos conforme indicado na Constituição de 1988. Em 2004, a Procuradoria-Geral da República determinou a criação de concursos públicos para a contratação pelos conselhos, o que nunca ocorreu, entre outros motivos, porque a União não transfere recursos para essas entidades ou exige delas essa atitude.
Em dezembro 2010, uma decisão da Quinta Turma do STJ sobre Recurso Especial ratificou a interpretação de que os conselhos têm de fazer concursos e contratar funcionários como servidores públicos. É nesse processo que os diversos conselhos do país buscam explicações, por meio de embargos de declaração que ainda não foram avaliados, sobre como colocar a decisão em prática.
“Os conselhos não recebem nenhuma subvenção da União e só sobrevivem de contribuições dos filiados. A decisão não tem como ser cumprida, por isso os embargos”, disse Marcus Wilmon Teixeira dos Santos, advogado do Conselho Federal de Economistas no Distrito Federal.
“Com a decisão judicial em primeira instância, quem tem de assumir os pagamentos inicialmente é o próprio conselho, mas ele poderá tentar repassar esses custos para a União, uma vez que a Justiça diz que se trata de servidores públicos”, disse o advogado Antônio Glaucius de Morais, do Meira Morais Advogados, que defende alguns conselhos “É um problema que afeta os dois lados, conselhos e União, que não deveriam arcar com esses custos”, completa.
Já José Julio Queiroz, advogado do Sinsafispro-RJ que tem ganhado algumas ações sobre a questão, entende que os juízes estão aplicando previsões constitucionais e seguindo jurisprudência das cortes superiores para conceder os benefícios do Regime Jurídico Único (RJU) a funcionários de conselhos.
“Os conselhos só vêm reconhecendo-se como autarquias públicas quando lhes convêm, como em temas tributários ou ao adotar poderes de polícia, mas quando não os convêm, como na hora de fazer concursos públicos, dizem-se autarquias “sui generis”, disse Queiroz.
Aquela que pode ser a principal prejudicada com essa jurisprudência, a União, não se manifesta sobre as decisões recentes. O Ministério do Planejamento, responsável pela gestão dos servidores, preferiu não responder aos questionamentos do GLOBO sobre o impacto potencial desse trem da alegria nas contas públicas ou sobre qualquer outra questão sobre o tema.
Em março do ano passado, a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu parecer no qual considera os conselhos de fiscalização como autarquias “sui generis” que não integram a administração pública direta, o que implicaria a inaplicabilidade do RJU aos seus trabalhadores.
No entanto, o parecer só adquire caráter normativo, virando um preceito a ser seguido por todos os órgãos da administração pública, quando assinado pela Presidência, o que nunca ocorreu. Ainda que fosse, não asseguraria uma mudança no rumo das decisões tomadas nos tribunais.
Os conselhos torcem por uma posição mais firme do governo sobre os custos com os quais estão arcando a cada decisão desfavorável. Em Brasília, não há dúvida de que, quando os conselhos começarem a tentar repassar os gastos extras que estão tendo com esses profissionais e a União for notificada judicialmente para responder a esses processos, o governo vai recorrer das decisões.
Publicação: 01/11/2012 09:31 Atualização: