Com mais de 675 mil mortes já registradas a pandemia de Covid-19 é, com razão, o problema de saúde pública que mais preocupa os brasileiros na atualidade. Mas o aumento de casos de suicídios apontam que vivemos uma outra pandemia, que apesar de silenciosa e já desponta como uma das principais causas de mortes no país – superando inclusive os óbitos causados por acidentes de motos e AIDS.

Os levantamentos do Datasus mostram que há 20 anos o país registrava cerca de sete mil suicídios O número foi crescendo e no ano passado superou a marca de 14 mil mortEs, dado que pode ser inferior ao real devido a subnotificação. Os números indicam que a cada hora um brasileiro opta por tirar a própria vida.

Em reportagem divulgada hoje (18) o jornal Folha de São Paulo destaca que a curva vai na contramão do resto do mundo, mas segue a tendência da América Latina. Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS) as causas mais prováveis desse morticínio são a pobreza, a desigualdade, a exposição a situações de violência e a ineficiência de planos de prevenção.

“Tudo é em forma de tentar sair da vida que a gente leva”, afirma Ana Paula da Silva, 39, que passou teve vários episódios de automutilação e tentou tirar a própria vida cinco vezes. “Às vezes, a gente só tinha o almoço ou a janta”, diz ela que.

Atualmente Ana Paula é uma das pacientes do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) no município de Venâncio Aires (RS), que fica a uma hora de Porto Alegre e tem uma das mais altas taxas de suicídios do Brasil. Com cerca de 72 mil habitantes a cidade registrou nos primeiros seis meses deste ano nove óbitos e 38 tentativas de suicídio.

ALERTA

No Vale do Rio Pardo, onde fica Venâncio Aires, soma-se ainda o fator econômico de uma região que depende essencialmente do tabaco e, portanto, do clima e da qualidade da safra. Muitas vítimas ali são homens acima dos 50 anos, fumicultores que não se sentem mais produtivos.

Pesquisadores também citam os agrotóxicos organofosforados como desencadeadores da depressão. A cidade, porém, diz que os casos variam muito e põe o fator em segundo plano: “Identificamos muitas pessoas que tinham sofrido violência ou eram violentos, por exemplo”, diz a enfermeira Patrícia Antoni, coordenadora do comitê municipal.

Os motivos são complexos e múltiplos, mas “a palavra mais perigosa que tem é quando a pessoa diz ‘cansei’, aí tem que correr”, afirma o psiquiatra Ricardo Nogueira, docente da Ulbra (Universidade Luterana do Brasil) e autor de dois livros e de um manual sobre prevenção ao suicídio no estado.

Ele descreve o ato como o ponto final “dos seis Ds”: desesperança, depressão, desemprego, desamor, desamparo e desespero. Prevenir o suicídio é, então, prevenir o sofrimento mental em suas diversas formas. E não são poucas.

O leque de transtornos chega a mais de 300 tipos, segundo a classificação DSM 5, referência internacional criada pela Associação Americana de Psiquiatria. Mas os mais comuns são ansiedade depressão, problemas que o Brasil conhece bem, como mostram diferentes pesquisas.

Um levantamento da OMS em 2017 apontou o Brasil como o país com o maior índice de ansiosos do mundo (9,3% ou 18 milhões de pessoas) e o terceiro maior em depressivos (5,8% ou 11 milhões), muito próximo dos EUA e da Austrália —a entidade pondera que não se pode falar em ranking, porque são estimativas.

Os estudos da OMS chamam a atenção também para o aumento de casos entre indígenas, adolescentes, policiais e pessoas LGBTQIA+. As chances de um jovem desse último grupo ter um transtorno mental é três vezes maior para ansiedade, duas vezes para depressão e cinco vezes para estresse pós-traumático, mostrou um estudo feito em escolas de São Paulo e Porto Alegre em 2019.

Também aparece entre possíveis causas os efeitos do luto, do medo e do isolamento pela Covid-19 – apesar de o período não ter influenciado de forma significativa nos suicídios.

PREVENÇÃO

A organização bate na tecla de que o suicídio é prevenível, recomendando quatro diretrizes principais aos países: dificultar o acesso aos principais métodos utilizados; qualificar o trabalho da mídia para que neutralize relatos e enfatize histórias de superação; expandir e fortalecer os serviços de saúde mental para identificar casos precoces e trabalhar habilidades socioemocionais nos espaços de ensino.

No campo da ação individual a recomendação é para que a gente redobre a atenção caso alguém próximo demonstre falta de esperança ou muita preocupação com sua própria morte; expresse ideias ou intenções suicidas, se isole de suas atividades sociais e corte o contato com outras pessoas.

Além dos quadros descritos acima, também merecem especial atenção as pessoas que perdem o emprego, sofrem discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, sofrem agressões psicológicas ou físicas e aparentem diminuição de práticas de autocuidado.

Fonte: Regionalmt