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CREA/MS – TRF 3 Região suspende a aplicação do ato administrativo do CREA e determina reintegração

Consulta da Movimentação Número : 6
PROCESSO
0010500-26.2015.4.03.6000

Autos com (Conclusão) ao Juiz em 17/09/2015 p/ Despacho/Decisão

S/LIMINAR

*** Sentença/Despacho/Decisão/Ato Ordinátorio

LEONARDO VIEIRA ALCÂNTARA impetrou o presente mandado de segurança contra ato do(a) PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA DO MATO GROSSO DO SUL – CREA/MS-, objetivando a concessão de liminar que determine a suspensão do ato que puniu disciplinarmente o impetrante.Sustenta, em breve síntese, que exerce o cargo de auxiliar administrativo no CREA/MS, no qual foi investido após aprovação em concurso público. Narrou que, no dia 11/09/2015, foi comunicado por seu superior hierárquico que a autoridade impetrada determinou a suspensão do exercício de suas funções pelo prazo de 7 dias, por estar realizando atividades estranhas à sua função e à atividade do CREA durante o expediente. Ocorre que não houve a instauração do devido inquérito, sindicância ou processo administrativo, que oportunizasse ao impetrante a ampla defesa e o contraditório, já que possui status de servidor público federal, nos termos da lei 8.112/90, conforme sedimentada jurisprudência, não devendo ser aplicadas as disposições do regime celetista. Afirmou que em caso de não pagamento dos dias não trabalhados devido à sanção aplicada, 1/3 de seu salário ficaria prejudicado, fazendo enorme diferença em sua situação financeira. Pugnou pelo deferimento de assistência judiciária gratuita. Juntou documentos.É um breve relato.

Decido.Inicialmente, faz-se mister observar que o artigo 114, I, da Constituição da República, com a redação determinada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, estabelece que compete à Justiça do Trabalho o julgamento das “ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios”.No julgamento da ADI nº 3395, o STF estabeleceu que o dispositivo acima citado “não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária” .

Verifico, contudo, que a presente causa não está fundamentada em relação de trabalho propriamente dita, mas em discussão sobre o regime jurídico aplicável aos Conselhos de Fiscalização Profissional. A competência deve determinar-se, portanto, pelo artigo 109, I, da Constituição da República, que assim dispõe:”Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;”.Nesse sentido:”AÇÃO CIVIL PÚBLICA – NULIDADE DE EDITAL – CONSELHO REGIONAL DE FONOAUDIOLOGIA – CONTRATAÇÃO DE PESSOAL COM VÍNCULO LABORAL PELA CLT – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – SUBMISSÃO DOS CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL AO REGIME DE DIREITO PÚBLICO. 1)O artigo 114, I, da Constituição da República, com a redação determinada pela Emenda Constitucional nº 45, de 8/12/2004, estabelece que compete à Justiça do Trabalho o julgamento das ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios. Conforme restou decidido na ADI nº 3.395, excluem-se da competência da Justiça do trabalho as demandas que envolvam vínculo estatutário ou jurídico-administrativo.A presente ação civil pública tem por objeto a nulidade de edital de concurso público promovido por Conselho Profissional que estabelece a contratação de pessoal pelo regime da CLT.

A causa não está erigida em relação de trabalho propriamente dita, mas em discussão que a antecede acerca do regime jurídico aplicável aos Conselhos de Fiscalização Profissional. A competência é determinada, assim, pelo artigo 109, I, da Constituição da República. 2)A Emenda Constitucional nº 19 alterou a redação do artigo 39, caput, da Constituição da República para extinguir a obrigatoriedade do Regime Jurídico Único. Posteriormente, em 2 de agosto de 2007, o Supremo Tribunal Federal deferiu liminar, em parte, no âmbito da ADI 2.135/DF, com efeitos ex nunc, para suspender a vigência do artigo 39, caput, da Constituição Federal, em sua nova redação, determinando, a partir desta data, à Administração Direta, Autárquica e Fundacional, a sujeição ao Regime Jurídico Único ressalvadas apenas as situações consolidadas na vigência da legislação editada nos termos da emenda declarada suspensa. 3) No julgamento da ADI nº 1.717/DF, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que os Conselhos de Fiscalização Profissional têm personalidade jurídica de direito público, por exercerem estes atividade tipicamente pública. Resulta claro desta decisão que os Conselhos de Fiscalização Profissional devem se submeter ao regime jurídico de direito público.. 4) A norma do caput do artigo 39 da Constituição da República, em sua nova redação, foi suspensa na via do controle concentrado de constitucionalidade, em razão do que a decisão tem eficácia erga omnes e vincula as Autarquias, inclusive os Conselhos de Fiscalização Profissional. 5) Considerando que o Edital (2008) é posterior à eficácia da decisão acima, está o mesmo sujeito à norma constitucional originária do artigo 39, caput, da Constituição da República. 6) Remessa e Apelação desprovidas.” (TRF2: Sexta Turma Especializada; APELRE 200851010140307 APELRE – APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO – 504993; Relatora: Desembargadora Federal CARMEN SILVIA LIMA DE ARRUDA; E-DJF2R – Data::16/03/2012). Grifei.Ante o exposto, constato a competência deste Juízo para processar e julgar o presente feito.Passo a analisar o pleito de liminar.Como se sabe, por ocasião da apreciação do pedido de medida liminar, cabe apenas realizar uma análise superficial da questão posta, já que a cognição exauriente ficará relegada para quando da apreciação da própria segurança.

Outrossim, nos termos do art. 7º, III, da Lei n. 12.016/09, poderá ser determinada a suspensão dos efeitos do ato, comissivo ou omissivo, que deu motivo ao pedido, quando relevante o fundamento alegado e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida caso seja deferida posteriormente.E, de fato, verifico que, no caso dos autos, estão presentes os requisitos necessários para concessão da medida.Ao que tudo indica, não houve, de fato, a instauração de procedimento administrativo para apurar eventual infração por parte do impetrante – em qualquer de suas denominações: seja por meio sindicância, inquérito ou do próprio processo administrativo disciplinar -, já que no dia 11/09/2015 foi comunicado por seu superior hierárquico que a autoridade impetrada determinou a suspensão do exercício de suas funções pelo prazo de 7 dias, em razão de infração cometida supostamente em 09/09/2015.

Entende a doutrina e a jurisprudência que os Conselhos Profissionais são autarquias federais. A fim de ilustrar o entendimento acima, transcrevo oportuno trecho a decisão monocrática proferida pelo e. Ministro Marco Aurélio de Mello no RE 723242/MG:”São, portanto, os Conselhos Profissionais, autarquias, não importando a classificação doutrinária como autarquia corporativa que lhes atribui a doutrina. As autarquias vêm sendo classificadas como de serviço, corporativas, em regime especial, previdenciárias, educacionais, etc. Inobstante, todas pertencem ao gênero autarquia. Mesmo a OAB, que historicamente intentou escapar desta classificação, vem sendo considerada pelo STF como autarquia sui generis.”

É verdade que o e. STJ prevê a possibilidade de demissão de servidores contratados durante a vigência da Lei 9.649/1998 por Conselhos de Fiscalização, independentemente da instauração de prévio processo administrativo disciplinar, uma vez que “a referida lei prevê o regime celetista para os empregados dos conselhos de fiscalização profissional, não se aplicando o regime estatutário” . Tal previsão aparentemente iria ao encontro do disposto no art. 1º do Decreto lei 968/69, assim redigido: “Art. 1º – As entidades criadas por lei com atribuições de fiscalização do exercício de profissões liberais que sejam mantidas com recursos próprios e não recebam subvenções ou transferências à conta do orçamento da União, regular-se-ão pela respectiva legislação específica, não se lhes aplicando as normas legais sobre pessoal e demais disposições de caráter geral, relativas à administração interna das autarquias federais.” Na mesma linha, pretendeu estabelecer a Lei 9.649/98, em seu art. 58, 3º: “3º Os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição transferência ou deslocamento para o quadro da Administração Pública direta ou indireta.”Ocorre que ambos os dispositivos acima não coadunam com a nova ordem constitucional, conforme se depreende da jurisprudência do próprio STF.

O art. 39 da CF/88, na sua redação original estabeleceu: “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.” A Lei 8.112/90 instituiu o regime jurídico único para os servidores públicos e, em seu art. 243:”Art.243 – Ficam submetidos ao regime jurídico instituído por esta Lei, na qualidade de servidores públicos, os servidores dos Poderes da União, dos ex-Territórios, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas, regidos pela Lei n 1.711, de 28 de outubro de 1952 – Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, ou pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n 5.452, de 1º de maio de 1943, exceto os contratados por prazo determinado, cujos contratos não poderão ser prorrogados após o vencimento do prazo de prorrogação”. Não obstante não tenha sido declarado inconstitucional o conteúdo 3º do art. 58 da Lei nº 9.649/98 na ADI nº 1717/DF, cujo julgamento restou prejudicado naquela via de controle concentrado de constitucionalidade, ante a superveniência da Emenda Constitucional nº 19/98, o próprio STF tem entendido em sede de controle concreto que a coexistência entre contratações celetistas e o regime jurídico único em autarquias é possível apenas nas situações consolidadas na vigência da legislação editada nos termos da emenda declarada suspensa.Aliás, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.135-4, por maioria, deferiu medida cautelar para suspender a eficácia do art. 39, caput, da Constituição, com a redação da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, com efeitos ex nunc, subsistindo, até o julgamento definitivo da ação, a validade dos atos anteriormente. Foi, assim, restabelecida a redação originária do dispositivo em questão, com retorno ao regime jurídico único, conquanto em caráter provisório. No entanto, todas as contratações e demais atos praticados com base na legislação editada até a decisão cautelar permanecem válidos.

No presente caso, o impetrante foi investido no cargo em questão após aprovação em certame regido pelo Edital de Concurso Público nº 001/2010, isto é, posteriormente à decisão proferida pelo e. STF na ADI 2135-4, não mais vigente a Lei 9649/98, de modo que, aparentemente, a ele não mais se aplicaria o art. 58, 3º, do referido diploma legal. Ademais, à luz do entendimento consolidado no âmbito do TST e adotado, de um modo geral, pelos Tribunais Regionais do Trabalho, o servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional, como visto alhures, é portador da estabilidade prevista no art. 41 da Constituição da República.Assim, ainda que não se entenda que o funcionário do CREA/MS, enquanto Conselho Profissional, esteja sujeito ao Regime Jurídico Único, devendo sua contratação ser efetivada pelo regime da Lei nº 8.112/90 (embora o processo seletivo escolhido tenha sido o concurso público), deve-se respeitar os princípios da Administração Pública e garantir aos respectivos servidores algumas garantias constitucionais aplicáveis a agentes estatutários quando da aplicação de sanções disciplinares.

Nesse sentido é o seguinte entendimento doutrinário: “Em face dos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da motivação, que regem a Administração Pública, e das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, o processo administrativo não é apenas o meio idôneo para a despedida por justa causa de empregados da União, suas autarquias e fundações de direito público, mas também instrumento adequado para apurar e, eventualmente, aplicar outras sanções disciplinares menos graves aos empregados públicos (suspensão e advertência).

Não se trata, porém, do processo administrativo disciplinar previsto na Lei nº 8.112, de 1990, aplicável aos agentes estatutários, mas de processo administrativo que, à míngua de legislação específica, siga os ditames gerais da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Pouco importa o nome que se dê a esse processo (sindicância, procedimento, apuração ou outro similar), o que é necessário é assegurar a participação do investigado nos atos nele praticados, exercendo o contraditório e a ampla defesa, com atenção aos contornos legais fixados. Não obstante, na ausência de norma específica de regência do processo (tem-se apenas as regras gerais da Lei nº 9.784, de 1999), por analogia, é possível a utilização, no que for cabível, de regras processuais da Lei nº 8.112, de 1990, desde que não cause prejuízo à defesa.” .

Grifei.Em última análise, o regular procedimento administrativo também é necessário com vistas à punição de empregado celetista em empresas privadas, nos casos em que a empresa se obrigar por norma interna, passando tal regulamentação a fazer parte do contrato de trabalho, inclusive. Nesse s termos é o Enunciado nº 77 do Tribunal Superior do Trabalho: “Nula é a punição de empregado se não precedida de inquérito ou sindicância internos a que se obrigou a empresa, por norma regulamentar”. Presente, portanto, a plausibilidade da medida liminar.

O perigo da demora decorre do fato de que o não recebimento dos dias eventualmente não trabalhados, devido à sanção aplicada, implicaria no decréscimo de 1/3 do salário mensal do impetrante, fazendo enorme diferença em sua situação financeira e na satisfação das necessidades de sua família.Saliente-se que não há falar em irreversibilidade da medida, uma vez que é possível a revogação de medida judicial precária, determinando-se o retorno à realidade fática anterior, sem que haja aplicação da teoria do fato consumado.

Em casos tais, o e. STJ pacificou entendimento da inaplicabilidade de tal teoria .Ante o exposto, defiro a liminar pleiteada para o fim de determinar que a autoridade impetrada suspenda a aplicação do ato administrativo que puniu disciplinarmente o impetrante e o suspendeu de suas funções pelo prazo de 7 dias, obrigando-o a permanecer fora de seu posto de trabalho a partir de 14/09/2015, além de representar desídia no desempenho das respectivas funções nos termos do art. 482 da CLT, em decorrência da prática das seguintes faltas: realizar atividades estranhas à sua função e à atividade do CREA/MS, dentro das dependências do Conselho, durante o horário de expediente, na data de 09 de setembro de 2015.

Defiro o pedido de Justiça Gratuita.Intimem-se com urgência.Notifique(m)-se a(s) autoridade(s) impetrada(s) para prestar(em) informações, no prazo legal, e dê-se ciência à representação judicial da pessoa jurídica respectiva. Em seguida, dê-se vista dos autos ao Ministério Público Federal para parecer, no prazo legal.Por fim, voltem os autos conclusos para sentença.

Campo Grande-MS, 16/09/2015.

JANETE LIMA MIGUELJuíza Federal

Ato Ordinatório (Registro Terminal) em : 17/09/2015