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TST decide que reforma trabalhista deve ser aplicada a contratos anteriores a sua vigência

Na prática, os direitos suprimidos com a reforma deixam de ser devidos aos trabalhadores a partir da entrada em vigor da norma

 
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Sede do TST, em Brasília / Crédito: Divulgação/TST
O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu, por maioria, que as alterações promovidas pela Lei da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) se aplicam mesmo em contratos firmados antes da vigência da norma, que teve início em novembro de 2017. O julgamento foi apertado, por 15 votos a 10.

Na prática, valem os direitos que estão no contrato até dia 10/11/2017. Contudo, os que foram suprimidos com a Reforma deixam de ser devidos aos trabalhadores a partir da entrada em vigor da norma, no dia 11/11/2017. São eles: o pagamento das chamadas horas in itinere (tempo de deslocamento), mudanças no intervalo intrajornada, direito à incorporação de gratificação de função e descanso de 15 minutos para mulheres antes da prestação de horas extras.

O processo julgado foi afetado como recurso repetitivo (tema 23), portanto, o entendimento é vinculante a toda a Justiça do Trabalho. A Corte fixou a seguinte tese: “A Lei 13.467 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei, cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência.”

Para o relator, o ministro Aloysio Corrêa da Veiga, a aplicação imediata da nova lei sobre os contratos de trabalho em curso é sustentada pelos artigos 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e 912 da CLT.

O artigo do LINDB afirma que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”, enquanto o trecho da CLT diz que “os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência desta Consolidação”.

Segundo Corrêa da Veiga, no direito brasileiro, inexiste direito adquirido a um determinado estatuto legal ou regime jurídico, como é o caso da CLT. No caso em análise, disse, a nova lei não afetou um “verdadeiro ajuste entre as partes”, mas somente o regime jurídico imperativo que já indicia sobre elas independe de suas vontades. “Por isso, se sujeita a eventuais alterações subsequentes pelo legislador”, acrescentou

O revisor, o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho votou com o relator, mas frisou que, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), situações jurídicas personalíssimas consumadas estariam protegidas da alteração da norma, em linha com o artigo 5º, 36º inciso, da Constituição Federal. O inciso em questão diz que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Como exemplo, o ministro citou uma gratificação já incorporada.

Votaram com o relator, os ministros Dora Maria da Costa, Guilherme Augusto Caputo Barros, Alexandre de Souza Agra Belmonte, Douglas Alencar Rodrigues, Maria Cristina Peduzzi, Breno Medeiros, Alexandre Luiz Ramos, Luiz José Dezena da Silva, Evandro Pereira Valadão Lopes, Amaury Rodrigues Pinto Junior, Morgana de Almeida Richa, Sergio Pinto Martins e Ives Gandra da Silva Martins Filho.

O ministro Maurício Godinho Delgado, por outro lado, abriu divergência e defendeu a aplicação do princípio do direito adquirido. “Voto na tese de que o trabalhador que esteja submetido a um contrato de emprego já consolidado no período anterior a 11/11/2017, data de vigência da Lei da Reforma Trabalhista, preserva o seu direito adquirido àquela parcela que foi suprimida pela lei”, disse.

O magistrado afirmou que essa interpretação está de acordo com a jurisprudência do TST e citou como exemplo a alteração realizada na Súmula 191, com a inserção dos artigos II e III. Segundo Godinho, a modificação estabeleceu que eletricitários que já recebiam adicional de periculosidade não teriam o benefício reduzido por uma norma que alterou a base de cálculo.

A divergência foi acompanhada pelos ministros Augusto César Leite de Carvalho, Kátia Magalhães Arruda, José Roberto Freire Pimenta, Delaíde Alves Miranda Arantes, Hugo Carlos Scheuermann, Cláudio Mascarenhas Brandão, Maria Helena Mallmann, Alberto Bastos Balazeiro e Liana Chaib.

O caso

Além de definir a tese, o Pleno também decidiu dar provimento a recurso da JBS que motivou a análise do tema.O caso envolve uma decisão da 3ª Turma do TST. Em decisão reformada, os ministros, por maioria, haviam determinado o direito ao pagamento das horas in itinere (tempo de deslocamento) mesmo depois da entrada em vigor da Reforma Trabalhista a uma funcionária da empresa.

O entendimento que tinha prevalecido é que a nova lei não poderia limitar um direito preexistente. A empregada alegou no processo que os 20 minutos que ela levava para chegar à JBS eram devidos como jornada. Porém, a lei da Reforma extinguiu o pagamento das horas in itinere, ao alterar o artigo 58, parágrafo 2º, da CLT. O caso tinha sido levado para a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), que por maioria, decidiu remeter o processo ao Pleno para que fosse afetado como repetitivo.

Com a decisão do Pleno, ficou determinado o pagamento das horas in itinere devidas somente até 10 de novembro de 2017, antes da reforma entrar em vigor. O processo é o 528-80.2018.5.14.0004.

Outros dois processos que haviam sido afetados conjuntamente também serão remetidos para as turmas para que se aplique o entendimento firmado no Pleno.

Repercussão

De acordo com Ricardo Calcini, sócio de Calcini Advogados e professor do Insper,  prevaleceu o entendimento, já chancelado pela maioria das turmas julgadoras do TST, no sentido de que inexiste direito adquirido frente ao advento de uma nova ordem jurídica. “Para esta decisão paradigmática do Pleno do TST, a condição mais benéfica se aplica apenas do ponto de vista contratual, quando o ato jurídico se aperfeiçoa, sobretudo quando extinto o contrato de trabalho, e não frente à promulgação de nova legislação que altera ou extingue condições anteriores mais benéficas aos trabalhadores”.

Já para os os advogados Eduardo Henrique Marques Soares e Ricardo Quintas Carneiro, sócios de LBS Advogadas e Advogados, que atuaram pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (FENAE),  as alterações realizadas pela Lei 13.467/2017 não poderiam prejudicar o direito de trabalhadores que foram contratados à luz das regras trabalhistas anteriores, mais favoráveis. “Se os contratos de trabalho se iniciaram muito antes da entrada em vigor da Reforma Trabalhista, deveria prevalecer a norma anterior, de modo que a alteração legislativa não poderia suprimir ou alterar direitos em prejuízo dos reclamantes e das reclamantes”, diz Soares.

Segundo Carneiro, “o julgamento evidencia a falácia amplamente divulgada no momento da sanção da Lei 13.467/2017, de que a dita Reforma Trabalhista não retiraria direitos dos trabalhadores”. Para o advogado, “é lamentável que a maioria dos integrantes do Tribunal Superior do Trabalho tenha perdido a oportunidade de, no caso, promoverem a justiça social, tão propalada como função jurisdicional primordial daquele Tribunal”.

Fonte: Jota